Quando a soberania de Deus lhe assusta

O texto a seguir foi escrito por Keri Seavey e foi traduzido com autorização do The Gospel Coalition. Você pode conferir o texto em inglês, publicado aqui.

Enquanto ouvia o meu marido pregar no Domingo, eu tentava frear a enxurrada de emoções mistas atravessando a represa interna que ergui. Eu estava espantada, cambaleante por conta da auto-reflexão. Cheguei à conclusão, sem dúvida de que fui conduzida pelo Espírito, de que eu estava com medo, assustada e aterrorizada por Deus.

Sofrimento e aflição não são estranhos à minha vida. A maioria de nós sofrerá graus variados neste mundo doente. Sendo esposa de pastor no ministério há anos, e dando muitos aconselhamentos ao longo desse tempo, já experimentei inúmeras circunstâncias que me levaram ao meu próprio sofrimento ou crises de fé.

Dores passadas, medos futuros

Há uns dez anos, enfrentei o que alguns chamariam de uma “noite escura da alma”. Ao longo daquele ano tenebroso, eu estava sob uma nuvem negra que não se dissipava. A falta de uma circunstância óbvia à qual eu poderia ligar as minhas emoções tornou aquilo tudo ainda mais confuso.

sufferingFiz tudo que eu sabia para mudar meu coração. Li as Escrituras vorazmente. Sondei o meu coração minuciosamente em busca de “pecados ocultos” que poderiam ter causado isso. A parte mais difícil daquele ano foi que eu clamava diariamente, desesperadamente a Deus para que Ele viesse me tirar do poço. Eu sentia que estava pedindo pão e recebendo pedras, apesar de minha fé e minha Bíblia dizerem o contrário (Lc 11.11).

Eu conhecia o suficiente a respeito da vida e do Senhor para saber que não havia para onde fugir, e nem para quem correr, a não ser Ele. Eu louvava Domingo após Domingo – em fé. Eu orava dia após dia – em fé. Vagarosamente, com o tempo, a escuridão se dissipou, mas a aflição me mudou para sempre. Minha luta com Deus me deixou manca.

Hoje consigo olhar para trás e ver a sabedoria de Deus ao permitir uma temporada tão difícil. É algo que produziu mudanças em mim que foram indispensáveis, já que eu seria posteriormente chamada para atravessar dias escuros ao lado de outros. Mas naquele período, cada dia parecia uma batalha para continuar caminhando. A possibilidade de ter que passar por outro período desses me aterroriza.

Atualmente, eu e minha família estamos enfrentando algo terrível. Meu irmão tem uma doença que ameaça a sua vida. Temos tido o privilégio de atravessar isso com ele desde que foi diagnosticado há cinco anos, aos 31 anos de idade. Tem sido uma jornada brutal – e bela – juntos. No mês passado, uma consulta médica revelou que chegamos a um lugar terrível para o qual nos preparamos. Eu me deparo com sentimentos de pânico e terror na expectativa do que está por vir.

A soberania de Deus sobre o nosso sofrimento

As Escrituras não escondem o fato de que as vezes coisas ruins acontecem com o povo de Deus pelo designo de Deus. Jó vive numa oposição gritante ao mito de que se você só faz o bem, somente o bom resultará daquilo (ou que se você fizer o mal, o mal então seguirá). Tal era a “sabedoria” falha dos “pobres consoladores” de Jó (Jó 16.2). A Bíblia não promove karma. Jó era um homem bom, e coisas ruins aconteceram com ele. Aliás, Jesus foi o melhor dos homens bons, e a pior das coisas aconteceu com ele. A Bíblia afirma com firmeza que na sabedoria soberana de Deus, Ele pode propositadamente ordenar aquilo que mais tememos.

Para ter certeza, há sempre bons propósitos nas provações para aqueles que pertencem a Ele. Sim, sofrimento produz nos santos persistência, um caráter piedoso e esperança (Rm 5.3). Deus faz com que todas as coisas cooperem para o bem daqueles que o amam (Rm 8.28). De coração, afirmo essas verdades preciosas e fundamentais. Mas sendo sincera, as coisas que Deus usa para trazer à tona este bem prometido as vezes me aterrorizam. Será que Ele vai me fazer passar por mais um ano escuro para me santificar? Uma parte da minha situação atual é assustadoramente familiar. Será que Ele poderia me tirar alguém que amo ardentemente? Devo admitir que tenho tido um medo profundo do que Ele poderá permitir que aconteça.

Encarando o meu coração

E então com reflexões passadas e medos futuros agitando rios de confusão no meu coração naquele Domingo de manhã, eu me digladiava com pensamentos sobre a bondade e o amor de Deus. Meus medos clandestinos tinham aparentemente aberto um caminho para dúvidas cruéis sobre o caráter de Deus. As palavras referentes a Aslan nas Crônicas de Nárnia começaram a soar nos meus ouvidos:

“Seguro?” disse o Sr. Castor, “É claro que ele não é seguro. Mas ele é bom. Ele é o Rei, eu lhe digo.”

Demorou algum tempo para fazer as pazes com o fato de que eu estava vivendo no (tipo errado do) temor do Senhor. Eu queria justificar, desculpar e negá-lo. Me senti exposta, constrangida e envergonhada da minha falta de fé. Mas apesar da sua revelação ser difícil de admitir, minha confissão sincera a Deus naquele Domingo de manhã me deixou liberta, aliviada e amada.

A pregação terminou com o Evangelho, como deveria ser sempre. A Boas Novas firmes trouxeram clareza e paz ao meu coração caótico.

Sofrendo soberano

As Escrituras revelam Deus como o Rei amoroso que ordena e supervisiona todo sofrimento. Se Ele fosse retratado somente como soberano, seríamos tentados a nos afastar dele por medo. Mas porque Ele também é revelado como nosso Deus sofredor, que de bom grado tomou sobre si uma aflição inimaginável em nosso lugar, somos assegurados da sua bondade e nos aproximamos em amor.

Nosso Deus entende sofrimento e perda. A grande custo para si, Jesus se voluntariou para esvaziar-se da sua glória nos céus para tornar-se um servo humilde (Fp 2.6-8). Por amor a nós Ele morreu a morte que merecíamos. Na cruz, Jesus perdeu a sua intimidade tenra com o Pai em troca da fúria da sua ira feroz. Jesus foi afligido e abandonado pelo seu Pai para que nós nunca estivéssemos sozinhos e abandonados nas nossas aflições.
486526_330929530334309_828707616_nDa mesma maneira, o Pai não poupou o seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós (Rm 8.32). Ele suportou a dor de se afastar do Filho a quem Ele amava eternamente para que Ele nunca tivesse que se afastar de nós. Apesar de ambos sentirem uma tristeza sobrenatural, eles escolheram essa morte e perda para uma vez por todas derrotarem o sofrimento que vem do pecado, da morte e da perda por nós. Que amor! Quando sentimos como se Deus estivesse longe, indiferente ou sem se importar conosco no nosso sofrimento, a cruz permanece como evidência convincente de que Ele não está.

Sim, nosso Deus soberano pode sabiamente permitir aquilo que mais tememos, mas nosso Deus sofredor nos convence do seu amor profundo ao enfrentarmos essas coisas. As mãos poderosas que sustentam todas as coisas são as mãos que foram trespassadas por nós. Uma visão renovada de Deus como Deus – o sofredor soberano – está me libertando do medo para confiar novamente.

Keri Seavey mora em Vancouver, Washington, com seu marido que é pastor na Living Water Community Church. Eles têm quatro filhos. Keri é líder do ministério feminino, conselheira bíblica, palestrante e escritora que posta com frequencia no blog da Biblical Counseling Coalition. Você pode segui-la no Twitter.

 
Licença Creative Commons

This work is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported License.

Direitos Reservados
O conteúdo deste site é de divulgação livre para fins não comerciais. É mandatório quem for reproduzir um post creditar: 1) Nome do autor. 2) URL do blog (com link). 3) Nome do blog: “O Blog do Andrew”.

2 comentários sobre “Quando a soberania de Deus lhe assusta

  1. Andrew obrigado!
    pensando e refletindo… texto denso e sincero.
    é interessante como, às vezes, sobrevém às nossas vidas lutas que verdadeiramente nos deixam mancos, e o que isso produz no coração!
    um misto de gratidão e susto, profunda gratidão por Ele ter estado lá, memórias lindas e profundas de como Ele nos carrega, nos limpa, nos acolhe, consola e como é bom a certeza de que Ele sempre estará lá, aonde quer que formos!
    mas há também o medo do que está pode vir… afinal, falta muito ainda para aprender, santificar, aprimorar, entender sobre outros, sobre Deus, sobre a vida e tals…
    Mas ler esse texto me fez lembrar de que apesar de experiências realmente amargas Ele é sábio, então tudo o que Ele faz é certo, correto, bom, agradável! E essa é a nossa maior e única esperança!!!
    To aprendendo, caminhando em fé! Agora o pedido é por alegria nas provações, por essa paz, paz que excede todo e qualquer entendimento e fé, fé acima das razões e emoções!
    Um dia chegaremos lá! =)

Deixe um comentário