A canção do coração de um pecador

Há algo intrinsicamente universal sobre a música. Não importa se você é estudante dela ou leigo, a música é capaz de transcender barreiras. Qualquer um pode apreciar uma música, seja lá qual tipo for. É uma espécie de linguagem universal que afeta qualquer ser humano. Aliás, afeta até animais irracionais. Quantos não tem um bicho de estimação em casa que reage quando se coloca algo para tocar? Uma canção tem o poder de consolar, alegrar, entristecer, exaltar, enfim, uma gama infinita de emoções. Como é que ela consegue fazer isso? Ela funciona a partir de algo que se encontra em todo ser humano. Somos embalados por sons, ritmos, tons e notas musicais em todo e qualquer momento. Mesmo se você tapar os ouvidos com os dedos, ainda ouvirá os batimentos do seu coração.

Tum-tum, tum-tum, tum-tum…

Esse caráter universal da música é incrível, magnífico! Não há uma criatura se quer que não seja capaz de ser alcançada por meio dela. Não é à toa que a Bíblia cita a música como forma de louvor. É como se toda criatura fosse predisposta a louvar a Deus por meio dela.

Sons, ritmos, batimentos e melodias estão em todos nós, por isso é universal. O que varia, porém, é como somos afetados pela música que ouvimos. Assim como a música só tem essa capacidade por lançar mão de algo que está dentro de nós, cada canção diferente vai fazer efeito a partir daquilo que está dentro da pessoa que a ouve. A mesma música que traz alegria a um fará com que outro se desmanche em lágrimas, por uma memória associada a uma história vivida. O estímulo é o mesmo, porém aquilo que está dentro de cada um é o que determina como será recebido.

A partir desta particularidade, é natural que na mão de cada povo, a música se torne uma ferramenta de expressão de individualidade ou coletividade. Por exemplo, o samba é algo quase que inerente ao brasileiro. Não que todos gostem, mas todo brasileiro identifica neste ritmo uma espécie de identidade, algo em comum com todos que nascem neste solo. Interessante, o samba veio das batidas africanas, trazidas pelos escravos e pela cultura musical rítmica deles. Nosso batuque é reconhecido em todo o mundo. E não é mera coincidência que todo país se identifica politicamente pela bandeira exclusiva e, mais uma vez, por uma música, seu hino nacional, a expressão dos valores que identificam aquela nação. E na final da copa do mundo todo mundo reverencia seu país levantando e cantando com a mão no peito.

Então, cada música, cada expressão musical evoca os sentimentos e a identidade daqueles que a produzem. A música se torna uma expressão do estado de alma e da personalidade de cada povo, como por exemplo, os escravos negros americanos e seus “spirituals”. Cantavam sobre a esperança do porvir e aquela promessa lhes trazia esperança, já que a situação na qual se encontravam não era nada boa. Ao cantarem, eles se encorajavam. E todo o “feeling” (coisa de músico) dessas canções expressava da angústia à esperança daqueles indivíduos. Ou seja, a música não existe de maneira independente do seu compositor, pois ela necessariamente remete a alguém ou a alguma situação vivenciada. Nesse sentido, a música é quase que um parasita, pois ela encontra a sua vida na experiência do ouvinte.

Essa vida, essa longevidade da música se dá por meio daqueles que se encontram, se identificam nela. Por que você acha que há séculos ainda se compõem músicas de amor que fazem sucesso? Porque todo homem ainda precisa de amor! Isso não muda. Daqui a sei lá quantos anos, ainda ouviremos música de “dor de cotovelo”, pois creio que nunca deixaremos de ter corações partidos em nosso meio. Agora, se vai ser pagode ou sertanejo ou um outro ritmo enjoado (com todo respeito, eu não gosto) a ser desenvolvido, aí é outra história. Sempre uma música politizada, em maior ou menor grau, dependendo do cenário político de cada era. O período da ditadura produziu toda uma geração de músicas que expressavam a indignação do povo com aquele regime. Chico Buarque e tantos outros usaram os versos e melodias para dar voz a uma geração reprimida.

Tendo dito isso, qual é a música do povo de Deus hoje? O que ela expressa da identidade dos seus compositores e ouvintes? Se todos somos cristãos, temos como identidade compartilhada o fato de que somos pecadores carentes da graça de Deus, manifestada por meio do seu Filho, Jesus Cristo. E este conhecemos por meio da Palavra revelada. Mas é isto que a nossa música expressa?

Se você quiser conhecer a teologia de uma congregação, ouça a sua música. Preste atenção às letras entoadas “a Deus”. Alí você verá a expressão dos valores e da identidade de cada grupo.

Como é que a igreja brasileira tem se identificado hoje? Ao se observar pelas mídias, vemos uma igreja vibrante e numerosa. E o que é que a sua música diz? Num apanhado geral que fiz essa semana junto com meu pai, buscamos as músicas que estão sendo mais frequentemente cantadas nas igrejas e tocadas nas rádios. Decretos, promessas, vitórias, milagres e, na grande maioria, uma ênfase absurda no presente. Juras de amor eterno (hoje), declarações de esperança (para hoje) e súplicas (para hoje). É música atrás de música falando sobre o prazer inenarrável que é amar e louvar e gozar de Deus… hoje. Mas… em 1 Coríntios 15.19 diz:

“Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens.”

A partir dessas músicas, o que entende-se é que a expressão de valores e identidade dessa comunidade é nada mais que miserável. E essas músicas fazem sucesso, MUITO sucesso. Meu desespero não é o tanto de dinheiro que esses artistas ganham, pois há tantos outros artistas seculares ganhando tanto quanto. O que verdadeiramente me aterroriza é o quanto essa esperança miserável é compartilhada! Afinal, as músicas são compostas, mas não são os compositores que cantam isso dia após dia depositando nelas a sua fé. Milhares de pessoas lotam os estádios, arenas e casas de show em busca de algo miserável! E o pior, essas músicas encontram espaço nas igrejas. Sabe por quê? Porque ela expressa exatamente o que o povo sente. Queremos uma promessa, um milagre, uma vitória agora, pra já, pra hoje! Eu quero me sentir bem com meu Pai hoje. Quero amá-lo hoje. Quero sentir seu toque, beijo, abraço, carinho, cafuné, hoje!

E onde que Cristo entra nessa nossa história? Onde está o nosso pecado que aponta para a salvação? Onde está a expressão da nossa identidade pecaminosa e da maravilhosa graça de conhecer a Cristo cujo sacrifício na Cruz nos garante a vida eterna com Ele?

“Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus; Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus.” (Rm 3.23,24)

Todos. Todos. Não há uma que não careça da graça de Deus ou que possa escapar da descrição acima. E se você não acha isso, não faz disso a sua identidade, então você tem uma visão incompleta de Deus.

Sim, há Salmos que expressam o prazer da vida com Deus e a alegria da sua presença, mas isso é só um lado da história. Essas músicas até têm uma cara de evangélica, mas ficam aquém da mensagem. Se não afirmamos a esperança do porvir, somos tão miseráveis! Os spirituals seriam um ótimo hino para nós hoje, pois vivemos na esperança daquilo que conheceremos apenas na eternidade.

Cadê a identidade do Cristão nessas músicas? Cadê a expressão de gratidão por essa preciosa graça que um dia nos salvou da morte que nos é devida? A falta de menção desse “detalhe” (por favor entenda o meu sarcasmo ao usar a palavra entre aspas) revela uma noção incompleta e miserável de vida cristã. As boas novas do Evangelho, a notícia maravilhosa de João 3.16… simplesmente não faz parte desta identidade evangélica. Aquele que não afirma o seu pecado e a salvação única e exclusivamente por meio da obra salvífica da Cruz ignora e rejeita as escrituras.

Qual é a identidade evocada por tais músicas? A leitura delas é a de que não precisamos ou sequer queremos um Salvador pelos nossos pecados. Queremos um prazer e uma vida milagrosa e vitoriosa hoje. E que evangelho é esse? Que Cristianismo sem Cristo é esse? Que fé é essa? Certamente não é aquela que encontramos na Bíblia. Não é o Evangelho de Cristo.

O que a música que você canta tem expressado de você?

 

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5 comentários sobre “A canção do coração de um pecador

  1. Amado irmão,
    Gostei muito do texto, tenho tido dor em meu coração por ver a igreja brasileira tão imatura, sendo levada por ventos de doutrinas embaladas em canções. Tem gemido e chorado,clamando ao Senhor por Sua misericórdia para com a igreja, que ela seja despertada para viver segundo o conhecimento do Senhor.

  2. Muito bom!!! Confesso que tenho deixado de ouvir muita música dita “cristã” justamente por isso, falam de tudo, menos de Cristo. Um momento em que poderíamos estar adorando a Deus, nos achegando ao trono da Graça, usamos para enaltecer a nós mesmos. Tenho procurado por canções que realmente expressem a nossa gratidão pelo sacrifício do nosso Senhor, mas hoje está difícil encontrar. Parabéns Andrew!!!

  3. Semana passada fui até uma loja Cristã e perguntei se havia cds do Oséias de Paula, a atendente (uma senhora) olhou pra mim indignada e disse: – Nossa! vc é jovem e ouve estes louvores? Eu ri e pensei; o coração do verdadeiro adorador não tem idade! “Cantai ao SENHOR, vós que sois seus santos, e celebrai a memória da sua santidade.” Salmos 30:4

  4. Muito bom o seu texto! Infelizmente a falta de conhecimento bíblico nos leva a consumir músicas sem conteúdo cristão que, muitas vezes, são compostas por músicos seculares que não têm uma experiência com Deus. Por isso digo sempre que amo os hinos antigos, não só porque são antigos, mas porque trazem uma mensagem com mais conteúdo, da época em que as pessoas escreviam canções para cantar nos cultos e não na TV etc. Comigo já aconteceram muitas situações como a descrita pela irmã Amaralina. Entrava nas lojas procurando CDs do Grupo Logos ou Vencedores Por Cristo e as pessoas me olhavam espantadas. Em uma das lojas uma vendedora muito simpática brincou com seu colega e o chamou de “dinossauro gospel” por conhecer músicas muito antigas. Naquele momento me senti assim, um “dinossauro gospel” mas com muito prazer : ) Hoje quando passo por lá já vejo muitos CDs antigos, pois de tanto eu reclamar eles pediram mais rs! Que Deus abençoe a todos.
    Ana

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